RESUMO
O adenocarcinoma gástrico é uma das neoplasias mais incidentes no Brasil e no mundo. Sua etiologia é de causa multifatorial. Em relação à dieta, o grau de processamento empregado na produção dos alimentos, condiciona o perfil de nutrientes. Desta forma, em populações com estilo de vida ocidental é crescente o consumo de alimentos ultraprocessados que pode condicionar uma dieta menos diversa, com contribuição de gorduras saturadas, carboidratos simples e consequente baixa ingestão de fibras. As fibras alimentares exercem efeitos protetores e parecem ter papel auxiliar na diminuição da ocorrência de alguns tipos de câncer, como o colorretal; efeito este ligado a interação entre as fibras e o microbioma intestinal. Porém, apesar do estômago ser um órgão colonizado por bactérias, pouco se sabe sobre interrelação entre a dieta e principalmente a ingestão de fibras alimentares e sua ação sobre o microbiota gástrica de pacientes portadores de adenocarcinoma gástrico, visto que os estudos se limitam principalmente a análises a nível intestinal. Dessa forma, o estudo aqui apresentado teve como objetivo apresentar evidências biológicas da relação entre a ingestão de fibras alimentares com a composição da microbiota gástrica de lavado gástrico de indivíduos com adenocarcinoma gástrico e controles endoscópicos. Tais evidências incluíram desde a caracterização da ingestão alimentar e diferenças entre os grupos avaliados, até a correlação entre as variáveis dietéticas com o perfil taxonômico de bactérias estomacais. Para quantificação dietética utilizamos um questionário de frequência alimentar e convertemos a quantidade de gramas de alimentos em contribuição do percentual calórica da dieta de acordo com o grau de processamento e em gramas de fibras para cada 1000 kcal ingerida, com bases em tabelas de composição de alimentos. Para análise de microbiota, após extração de DNA do suco gástrico, foi utilizado a abordagem de sequenciamento do gene codificador do rRNA sub-unidade 16s. Para o primeiro módulo desse trabalho identificamos que o grupo com câncer possui uma maior ingestão de alimentos ultraprocessados e menor ingestão de fibras, quando comparado com os controles. Por meio de um modelo de regressão logística multinomial, essas diferenças resultam em: uma maior ingestão de fibras insolúveis e menor de alimentos ultraprocessados estar mais associada com o grupo controle endoscópico, quando comparado com os indivíduos com câncer (OR 2,651, IC 95% 1,069-6,573, p=0,035) e (OR 2,521, IC 95% 1,076-5,905, p=0,033) respectivamente. Em termos de composição da microbiota estomacal, no grupo adenocarcinoma gástrico identificamos que as fibras totais possuem uma correlação positiva com o filo Firmicutes (rô= 0.53; p= 0,021). Este mesmo tipo de fibras possui correlação forte e negativa com o filo Proteobacteria (rô= −0.58; p= 0,011). No grupo de controles endoscópicos, as fibras insolúveis apresentaram uma correlação negativa com as Proteobactérias. A nível de gênero, de acordo com o algoritmo de Lefse, identificamos 17 gêneros diferencialmente abundantes no grupo controle com alta ingestão de fibras (Q4 = >14g/ 1000kcal), versus com baixa ingestão (Q1= <8,5g/1000 kcal), com destaque para os gêneros Mogibacterium, Prevotella 7, Fusobacterium e Actinomyces, que se mostraram enriquecidos na dieta rica em fibras. Para o grupo com câncer, no quartil 1 observamos 4 gêneros diferencialmente abundantes, sendo eles: Butyrivibrio, Helicobacter e Stomatobaculum. Comparando indivíduos do grupo AdG do Q1 (N=24) versus Controles do Q4 (N=26), o gênero Abiotrophia foi mais abundante nos controles, e Escherichia_shigella, um gênero patogênico, foi mais frequente no AdG. Na diversidade total, evidenciamos uma maior influência das fibras no grupo controle. Por fim, concluímos que as fibras alimentares podem influenciar a microbiota antes do desenvolvimento da doença, visto que, no grupo controle endoscópicos os achados mostraram não apenas uma maior riqueza total de gêneros bacterianos, mas uma maior abundância de bactérias específicas. Esses resultados bem distintos entre casos e controles podem estar associados com o fato, dos indivíduos com câncer já terem uma doença instalada, com consequente disbiose. Destacamos nos controles com alto consumo de fibras, uma maior abundância de gêneros produtores de ácidos graxos de cadeia curta e importante atividade imunomodulatória. Já no grupo AdG identificamos gêneros com um perfil pró-inflamatório, como a Helicobacter
Gastric adenocarcinoma is one of the most common neoplasms in Brazil and in the world. Its etiology has a multifactorial cause. In relation to diet, the degree of processing used in food production conditions the nutrient profile. Thus, in populations with a Western lifestyle, the consumption of ultra-processed foods is increasing, which can lead to a less diverse diet, with the contribution of saturated fats, simple carbohydrates and consequent low fiber intake.Dietary fibers have protective effects and seem to have an auxiliary role in reducing the occurrence of some types of cancer, such as colorectal; This effect is linked to the interaction between fibers and the intestinal microbiome. However, despite the stomach being an organ colonized by bacteria, little is known about the interrelationship between diet and especially dietary fiber intake and its action on the gastric microbiota of patients with gastric adenocarcinoma, since studies are mainly limited to intestinal analyses. Thus, the study presented here aimed to present biological evidence of the relationship between dietary fiber intake and the composition of the gastric microbiota of gastric lavage from individuals with gastric adenocarcinoma and endoscopic controls. Such evidence ranged from the characterization of food intake and differences between the groups evaluated, to the correlation between dietary variables with the taxonomic profile of stomach bacteria. For dietary quantification, we used a food frequency questionnaire and converted the amount of grams of food into the contribution of the caloric percentage of the diet according to the degree of processing and in grams of fiber for each 1000 kcal ingested, based on food composition tables. For microbiota analysis, after extracting DNA from gastric juice, the approach of sequencing the gene encoding the 16s rRNA subunit was used. For the first module of this work, we identified that the cancer group has a higher intake of ultra-processed foods and lower fiber intake when compared to controls. Using a multinomial logistic regression model, these differences result in: a higher intake of insoluble fiber and lower intake of ultra-processed foods being more associated with the endoscopic control group when compared to individuals with cancer (OR 2.651, 95% CI 1.069 -6.573, p=0.035) and (OR 2.521, 95% CI 1.076-5.905, p=0.033) respectively. In terms of the composition of the stomach microbiota, in the gastric adenocarcinoma group we identified that the total fibers have a positive correlation with the Firmicutes phylum (rô = 0.53; p = 0.021). This same type of fiber has a strong and negative correlation with the Proteobacteria phylum (rô= −0.58; p=0.011). In the group of endoscopic controls, insoluble fibers showed a negative correlation with Proteobacteria. At the genus level, according to the Lefse algorithm, we identified 17 differentially abundant genus in the control group with high fiber intake (Q4 = >14g/ 1000kcal), versus low intake (Q1= <8.5g/1000 kcal), with emphasis on the genera Mogibacterium, Prevotella 7, Fusobacterium and Actinomyces, which were enriched in the fiber-rich diet. For the cancer group, in quartile 1 we observed 4 differentially abundant genera, namely: Butyrivibrio, Helicobacter and Stomatobaculum. Comparing individuals from the Q1 AdG group (N=24) versus Q4 controls (N=26), the Abiotrophia genus was more abundant in the controls, and Escherichia_shigella, a pathogenic genus, was more frequent in AdG. In total diversity, we evidenced a greater influence of fibers in the control group. Finally, we conclude that dietary fiber can influence the microbiota before the development of the disease, since, in the endoscopic control group, the findings showed not only a greater total richness of bacterial genus, but also a greater abundance of specific bacteria. These very different results between cases and controls may be associated with the fact that individuals with cancer already have an installed disease, with consequent dysbiosis. We highlight in controls with high fiber consumption, a greater abundance of genus producing short-chain fatty acids and important immunomodulatory activity. In the AdG group, we identified genus with a pro-inflammatory profile, such as Helicobacter.